Era meia noite quando olhei as
horas pela última vez, no relógio da estação. Desde então, já devem ter se
passado umas duas horas enquanto atravessávamos toda a área leste da cidade,
seguindo o rastro deixado por Donovam.
Hoje, dia 5 de
maio de 1912, faz cinco anos desde aquele maldito dia, mas agora minha busca vai
acabar. Hoje Donovam e todo seu legado de maldade chegarão ao fim.
Ando agora sozinho pelas vielas
que se formam entre as caixas empilhadas neste porto. O silencio só é cortado
pelo som do mar, nenhuma pessoa trabalha aqui agora. Com certeza os
funcionários já estão mortos. Carter, meu companheiro, ficou lá trás, na
entrada da zona portuária lutando contra varias monstruosidades criadas pelo Necromante,
para que eu pudesse seguir em frente. Que Deus olhe por ele.
Meus olhos e ouvidos estão sempre atentos.
Estes caminhos estão cheios de perigo. Desde que chegamos à cidade temos
enfrentado hordas de mortos-vivos e agora que estou tão perto, Donovam não
poupará esforços para impedir meu avanço.
Ouço som de passos sobre as caixas
e quando dirijo meu olhar, posso ver a silhueta de quatro criaturas se
esgueirando nas sombras. Pelo tamanho já identifiquei que são cães, Donovam
adora transformar estes pobres animais em seus brinquedos.
Preparo-me para correr. Poderia
acertá-los facilmente a esta distancia. Um tiro em cada um e estaria acabado. Mas
já gastei balas demais e agora só me restam quatro ou cinco. Não posso
desperdiçá-las com estes cães. Não se quiser matar Donovam. Só me resta
matá-los com minha espada, mas ela está embrulhada e presa em minhas costas. Preciso
ganhar tempo e espaço para sacá-la.
Começo a correr e os malditos
cachorros vêm em meu encalço. São cinco, agora posso ver.
Enquanto corro, solto as fivelas
que prendem a “Grande” (é como chamo a espada). Já foi mais fácil fazer isto
quando era jovem, mas agora começo a sentir o peso dos anos. Os cães se
aproximam no momento que seguro uma ponta da faixa e, com um movimento, a espada
gira no ar e cai a alguns metros de mim. Já treinei esta manobra centenas de
vezes. Um cão abre a boca para me morder,eu salto,giro sobre uma mão e com a
outra apanho a espada, giro e corto o monstro no ar. Mais alguns segundos e
outro cai.
Por um descuido, um consegue
morder minha mão e a espada cai. Um grande mastim salta sobre mim e eu vou ao
chão. Com a mão esquerda busco em minha cintura a adaga e cravo na garganta do
cachorro, aniquilando-o.
Um grande pastor tenta morder
minha perna. Com um chute consigo jogá-lo longe. O outro cão salta, então eu
desvio e acerto seu flanco matando-o. O ultimo está se recuperando do chute,mas
antes que ele possa me atacar eu lanço minha adaga e acabo com ele.
Então uso a faixa que cobria a
espada e faço um curativo na ferida em meu braço. Com outro pedaço limpo minha
espada e adaga.
Agora volto a seguir meu curso com
a espada em punho. Deixar o cão me morder foi um erro terrível. Esperava estar
completamente preparado para enfrentar Donovam.
Após andar mais alguns minutos na
direção do navio cargueiro que balança suavemente com a maré da lua cheia,
posso avistar uma figura de um homem aguardando minha chegada. Sei que se trata
de mais um zumbi criado pela maldita bruxaria do necromante pelo seu balançar
vacilante.
Seguro a espada em posição de
batalha e me aproximo. O zumbi usa um uniforme de marinheiro e carrega um machado
na mão esquerda. Pobre coitado... Era um homem de meia idade e aparentava ser
forte e saudável em vida. Provavelmente foi pego de surpresa pelo bruxo
enquanto aguardava seu turno passar.
Ele avança. Surpreendentemente ele
é mais ágil do que qualquer outro que já enfrentei. A bruxaria de Donovam está
se refinando. Esquivo para o lado como um toureiro esquiva de um touro. O zumbi
freia seu avanço e volta a me atacar com o machado. Mais uma vez consigo me
esquivar e com outro movimento corto sua perna esquerda. Mesmo caído ele
continua tentando me atacar. Mas ele já perdeu a batalha e eu corto sua cabeça
com a espada. Não sei quantas criaturas destras já destruí nestes anos, mas
ainda sinto uma dor no peito mesmo sabendo que já não são humanos.
Sigo em direção ao navio e passo
do porto para o convés. Consigo reparar que no chão há uma pilha de morcegos
mortos. Talvez mais um truque do Necromante. Ando alguns passo e vejo o bruxo
próximo à cabine.
-Ora vejam só quem chegou para
festa, meu velho amigo Julius.
-Como ousa ainda me chamar de
amigo. Prepare-se para seu fim maldito!
Sou eu quem começa o combate.
Corro em sua direção e o golpeio com a espada, mas ele defende usando seu
cajado. Ele tenta contra atacar usando a ponta inferior de seu nojento cajado,
uma lamina afiada. Um ferimento desta arma imunda e eu sucumbiria a seu
asqueroso feitiço. Consigo desviar e tento outro golpe ,mas ele é rápido e
também desvia. Nossa luta se estende na noite. O ferimento no braço me deixa em
desvantagem mas minha determinação supera qualquer dor. Preciso destruir o
necromante, por mim e pelo mundo, antes que ele complete sua transformação em
Linch.
Donovam erra um golpe e então eu
encontro uma brecha, mas quando vou desferir o golpe certeiro, o bruxo toca com
seu cajado na pilha de morcegos no chão e as criaturas voam em minha direção,
me mordendo e arranhando com suas unhas.Deixo então deixo cair a espada. Entre a
nuvem de morcegos, consigo ver Donovam se preparando para me acertar com a
ponta do cajado. Deste infeliz não se pode esperar uma luta justa. Em um
movimento rápido saco meu revolver e atiro entre os morcegos. A bala acerta o
ombro do bruxo e a nuvem de morcegos se dispersa.
Miro novamente em direção a
Donovam para mais um tiro.
-Hoje acabam seus dias de terror.
-Ainda não será desta vez nosso
confronto final, querido Julius. Mas o dia chegará.
Atiro mais uma vez, mas a bala
pega de raspão pois ele salta no mar. Corro para a amurada e vejo que ele caiu
sobre uma orca, outra criatura vitima se seu feitiço. Ele entra em sua boca do
animal e submerge nas águas.
-Maldito volte aqui, ainda não acabei
com você!!!
De repente ouço um barulho vindo
do porão e o navio começa a tremer e chacoalhar.Com um forte impacto as tabuas
do piso são quebradas e eu sou jogado longe. Uma criatura monstruosa se levanta
sob o convés. Uma Aberração, como costumo chamar este tipo de criação do
bruxo.Com partes de seres humanos e outros animais unidos em um só corpo, a
coisa tem uns três metros de altura e é como um pesadelo vivo. Um único grande
olho na testa e uma enorme boca cheia de dentes caninos. O monstro arranca uma
tabua do navio e se prepara para me acertar.
Ainda caído no chão eu miro em seu
olho e atiro. A criatura se contorce e ruge, mais em poucos segundos se prepara
para me acertar novamente. Depois de tanto tempo enfrentando o necromante eu
sei que o olho grande e visível na criatura não é o único.Com certeza ele
possui vários olhos de mosca espalhados pelo corpo. Atiro novamente e ele se contorce
outra vez, outro tiro e de novo um rugido. Agora não me resta mais balas. Será
o meu fim?
Bang! Outro tiro acerta a coisa.
Bang! Mais um. Meu amigo Carter sobe no convés.
-Não sei o que seria de você sem
mim. – Carter debocha enquanto carrega mais uma vez sua escopeta.
-Obrigado, mais uma vez amigo.
Bang!Bang!Carter atira outra vez e
o urro da Aberração ecoa no porto. Carter tira da sua bolsa presa a cintura um
artefato e arremessa contra o monstro. Uma bomba incendiaria, criação própria. O
monstro se torna uma imensa fogueira se debatendo e espalhando fogo no navio.
Eu recolho a espado e nós saímos do
navio que se incendeia e afunda.
-Ele escapou Carter. O desgraçado
fugiu mais uma vez.
-O pegaremos logo Julius.Com
certeza o pegaremos. Mas agora é hora de recuperarmos nossas forças.
Mais uma vez o Necromante escapou.
O mundo ainda não pode dormir tranquilo livre de sua maldição. Mais eu nunca
descansarei até o dia de sua morte. Não posso descansar.
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