segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

O Diabo na Garrafa - Parte Final



Passei a manha inteira e grande parte da tarde procurando pelo homem que tinha me entregado aquela maldita garrafa. Mas como não sabia seu nome completo, o jeito foi procurar por todos Josés no povoado de Onça. O sol já havia se posto quando encontrei o lugar onde ele morava, uma casa muito antiga de pau a pique, que em tempos remotos fora a sede de uma grande fazenda.

Bati a porta de sua casa, mas quando o Zé da Onça me atendeu, parecia estar vendo uma assombração. Ele tentou fechar a porta, mas eu segurei para não deixar.
-O que está fazendo aqui?- disse ele – Vá embora, não tenho nada a tratar com o senhor.
-Há, tem sim. E você sabe muito bem. Você arruinou minha vida quando me deu aquela droga de  garrafa.
-Você não estava à procura de um capetinha na garrafa? Não foi isso que eu te dei? Eu te disse para não abrir a garrafa, o que posso fazer se o senhor não me escutou?
-Você tem de me ajudar, ou eu dou um jeito de colocá-lo contra você, custe o que custar.
-Olha, eu vou tentar te ajudar a capturar o bichinho. Mas é preciso que seja em sua casa. E eu vou precisar da ajuda de mais uma pessoa. Me passa seu telefone que eu te ligo combinando o quê a gente vai fazer.
Assim eu fiz. Passei o telefone para o Zé e voltei pra BH. Impaciente para capturar o demônio. Passado mais um dia de tormento, recebo a ligação do Zé, me pedindo para comprar os materiais para o ritual, o que incluía velas negras, uma corda de sisal virgem, um aguilhão, uma garrafa de vidro artesanal e rolha entre outras coisas estranhas. Ele também pediu meu endereço e disse para que o esperasse em casa à uma hora da manha.
No horário combinado ele chegou a minha casa trazendo consigo um homem com aparência bizarra. Um sujeito idoso, que parecia ter saído de um filme de terror, com sua barba e cabelo grandes e grisalhos, unhas grandes e sujas e roupas escuras de couro. Ele andava descalço e olhava desconfiado para tudo.
-Este é o Pai Curuso. Ele vai nos guiar no ritual – Disse Zé da Onça, me apresentando o homem.
O homem me olhou nos olhos com um olhar amedrontador. – Então é você o homem que vai capturar o diabinho?!Espero que esteja preparado.
-Mas eu pensei que você iria capturá-lo.
-Não. - disse o Pai Curuso. – Eu só vou abrir seus olhos para que você possa vê-lo. A obrigação de prendê-lo é sua, pois foi você que o soltou.
Então me explicou que o ritual deveria acabar às três horas da manha, que é quando as barreiras entre o mundo físico e espiritual estão mais finas. Quando o ritual estivesse pronto eu iria poder enxergar o demônio em sua forma verdadeira e então usar o aguilhão e a corda para capturá-lo.
Não vou descrever aqui o ritual, pois o risco de alguma coisa errada acontecer é muito grande, mas posso dizer que quanto mais se aproximava do fim, maior era a sensação de medo misturado com ansiedade. O radio relógio marcou então três horas e o Pai Curuso me disse:
-Feche os olhos e quando eu disser para abrir, você poderá ver o mundo dos espíritos. Você verá o que quer e o que não quer. Apenas ignore as coisas que você vai ver e elas não o perturbarão. Quando você vir o diabinho, você deve usar o aguilhão para se defender e a corda de sisal para prendê-lo, ai nós vamos te acordar e você vai fechar a garrafa. Pronto, abra os olhos.
Quando eu abri os olhos eu vi o mundo de uma forma assustadora, como nunca tinha visto antes e como nunca mais quero voltar a ver. Eu estava no mesmo lugar, mas havia ali em minha sala coisas andando de um lado a outro que habitam meus pesadelos até hoje. Coisas que estão aqui o tempo todo e não conseguimos ver.
Eu via pequenas criaturas parecidas com gnomos andando e se escondendo por debaixo do sofá, fantasmas de pessoas circulando pela casa, e pela janela via criaturas gigantescas andando lá fora, na cidade. Eu tentei ignorar aquelas coisas e parecia que elas não estavam cientes que eu às podia ver, mas de vez em quando, alguma me olhava nos olhos e me provocava arrepios. Mas o diabo não estava ali. Então eu andei pela casa a sua procura e em cada quanto via coisas mais assustadoras. Meu Deus, se apenas em minha casa viviam estes seres, o que mais deveria existir no mundo?
Quando entrei na cozinha eu o vi. Não era mais uma miniatura que se podia por em uma garrafa, devia ter uns dois metros pelo menos. A visão daquela coisa me fazia pensar em desistir e correr. Mas essa não era uma opção. Eu já tinha chegado até ali e não iria desistir.
- Como ousa tentar me capturar?- A voz da coisa era um som terrível, algo que parecia vir de um abismo fundo e escuro. – Eu lhe trouxe ouro e lhe traria mais. Mesmo assim você quer  me por de volta em uma garrafa? Eu vou te destruir humano desprezível.
A criatura começou então a me atacar. Ela usava sua língua, que açoitava minha pele e queimava como brasa. A dor era terrível e deixaria cicatrizes que nunca mais desapareceram. Eu usei então o aguilhão para espetá-lo e isso o fez recuar. Foi ai que eu usei a corda e o amarrei.
- Eu vou me libertar humano. -Urrava a besta. - E quando me libertar, levarei você ao inferno.
- Tampe a garrafa. – Alguém dizia em meu ouvido. – Tampe a garrafa. Tampe...
Como que acordando de um pesadelo, eu estava de volta a sala junto ao Pai Curuso e o Zé da Onça. Então eu vi a garrafa em minha mão e o diabo estava em tamanho miniatura, dentro dela. Mas ele mexia e tentava escalar o vidro. Eu peguei a rolha e tampei a boca da garrafa. O Pai Curuso tomou a garrafa de minha mão e selou a rolha e fez a marca do tridente e a criatura parou de se mover. Foi quando ele me entregou a garrafa e disse:
- Pronto. Ele está preso de novo na garrafa. Nunca tente destruir o diabinho. Nós humanos apenas conseguimos capturá-lo nesta frágil prisão de vidro. Qualquer tentativa de destruí-lo irá apenas o libertar, e aposto que ele está muito furioso com você.
Pai Curuso e Zé da Onça se recusaram de todas as formas dormirem em minha casa e foram embora quando o ritual terminou, não sem antes eu desembolsar uma pequena fortuna para pagar pelos honorários do velho.
Eu não queria mais ver aquele  demônio em minha frente, mas não poderia correr o risco de o vidro se quebrar acidentalmente. Então eu o coloquei em um cofre. Escrevi todo o procedimento do ritual de captura, coloquei junto a garrafa e tranquei o cofre. Depois fui até um cemitério abandonado e cavei o mais fundo que pude uma cova vazia e enterrei lá este cofre. No caminho de casa, joguei  as chaves no rio.
Você pode duvidar do que eu contei. Pode me chamar de maluco. Mas se algum dia tiver a oportunidade de possuir um objeto destes, lembre-se de minha historia.

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